FEIRA DE SANTANA, UMA PRINCESA PRIVILEGIADA NO TEMPO DAS SERESTAS

21/5/2025, 9:1 | Foto: Divulgação - Arquivo ZMP
A coluna Feira em História, assinada pelo jornalista Zadir Marques Porto, traz fatos históricos e curiosos sobre a cidade

Milton Brito, Silton Brandão, Raimundo Lopes, Ivanito Rocha, David Silva, Donga Carvalho, Tuita, Antônio Moreira e Nelito foram alguns dos grandes seresteiros de Feira de Santana, valores que, com vozes privilegiadas, enfeitavam as noites enluaradas da Princesa do Sertão, encantando mocinhas enamoradas e também ‘barbados’ que gostavam de boa música. Seresta é coisa do passado, é verdade, mas as boas recordações não devem ser olvidadas e sim, vez em quando, tiradas do baú da saudade.

Noite alta – entende-se a partir de 22 horas –, céu enluarado, silêncio absoluto, casas praticamente às escuras e, de repente, o som de um violão introduzindo um samba-canção faz a Lua parecer menos solitária. Uma voz masculina, bonita, interpreta um sucesso de Nelson Gonçalves, Carlos Galhardo, Francisco Alves ou algo mais recente de Anísio Silva, Silvinho, Trio Irakitan, Cauby Peixoto, Trio Los Panchos e outros da época. Era assim o começo de uma seresta ou serenata, como prefiram, e, na verdade, um recado de amor direto para uma mocinha que, entre a alegria e a tristeza, ouvia aquela mensagem, às vezes de uma grande paixão, terminantemente proibida pelo pai.

Embora pareça algo literário, extraído de um antigo romance, era assim até meados do século passado, ainda sem celular, sem digitalização e com enorme dificuldade para a comunicação. A seresta, que remonta a séculos na Europa e na América – comum, bem depois, em países como o México e o Paraguai –, em Feira de Santana teve grandes expoentes, não apenas entre apaixonados, como também cantores e instrumentistas de qualidade que faziam de uma praça ou rua o palco para suas apresentações, tendo na iluminação farta e natural da Lua sempre uma privilegiada assistente.

Assim surgia aqui uma das mais belas vozes masculinas do país, o abaritonado Milton Brito, que no Rio de Janeiro fez enorme sucesso, gravando pela RCA Victor, uma das maiores gravadoras da época, e se apresentando como titular em restaurantes de luxo e casas noturnas de renome na vida do carioca, como o Bar Michel, Le Rond Point, Boate Plaza, Restaurante Cabana, dentre outros, só alcançados por artistas como Agostinho dos Santos, Silvio Cezar e Altemar Dutra. O feirense, que preferiu a advocacia, também foi cantor oficial de alguns programas de TV.

Também na noite feirense surgiram Silton Brandão, Leo Ramos (Leopoldo Ramos), David Silva, Ivanito Rocha, Dourival Oliveira, Antônio Batista, Donga Carvalho, Raimundo Lopes, Tuita (Antônio Caribé), Raimundo Oliveira, Raimundo Almeida, Antônio Moreira, Carlos Santiago, Audízio Carvalho, o trio Os Divinais – similar ao Irakitan – com Geraldo Morais (Valtinho Pitangueira), Dida e Missinho, e o quarteto Irapajós, com Valtinho Pitangueira, Nelito, João Lins e Zete. Ao lado dessas vozes, excelentes instrumentistas de cordas como: Mirinho, Lili, Miranda, Dinho, Toninho, Clarival, Tonho, Carlito, Maninho, Didi e Amadeu, dentre outros.

A Lua continua enfeitando a noite, mas o progresso e o avanço da ciência tiraram o seu encanto e o fascínio que exercia sobre os jovens enamorados – hoje tão próximos desse astro como de alguém que amam, através da tecnologia. Com o tempo, os violões e bandolins, também os cavaquinhos, essenciais no samba-canção e no bolero, foram silenciando, dando lugar a ritmos mais atuais e barulhentos. Ficaram as belas e saudosas serestas como parte de uma época mais reflexiva e romântica de Feira de Santana. Um tempo sentimental quando, sem ‘correria’, era mais difícil, porém mais sincero, expressar um sentimento.

Por Zadir Marques Porto



  •