Mulheres não participavam da Procissão do Fogaréu em Feira de Santana

26/3/2018, 14:55h |

Este é o momento oportuno para lembrar como era em Feira de Santana, em tempos idos, a Procissão do Fogaréu que acontecia nas quintas-feiras da Semana Santa. Os mais antigos são unânimes em afirmar que a fé tem sido a mesma durante a procissão, que, no entanto muito tem perdido em afluência e solenidade. Vale a pena, pois, lembrar a Procissão do Fogaréu de antigamente, conforme editorial da Folha do Norte de abril de 1997. (Adilson Simas). 

A PROCISSÃO DO FOGARÉU EM FEIRA

A procissão, que ficou em nossa memória, era majestosa. À frente, com seu porte marcial, andar  pausado, o Coronel Álvaro Simões Ferreira, levando a imagem do Crucificado, seguido da irmandade da Santa Casa de Misericórdia, encapuzada, numerosa e dividida em duas alas, a conduzir tochas.

Em seguida vinha o Padre Mário Pessoa, a puxar a ladainha com voz  suave mas audível à distância, tal o pesado silêncio que se fazia.

Surgia, depois, a matraca, tangida, nos intervalos, por Claudio “Macaca Fêmea”, e o bombardino, tocado por Oscar Bombardino, que dava, ao cortejo, tom lúgubre e cerimonioso. Só depois aparecia o povão, tomando toda a largura da rua, mas respeitando o espaço das principais figuras da procissão.

O cortejo saia da Matriz, entrava na Marechal Deodoro pela Travessa de Santana, ganhava a Praça João Pedreira, na direção da Prefeitura e entrava na Avenida Senhor dos Passos em cuja igreja fazia a primeira parada, seguindo pelo Beco do França, detendo-se na Igreja dos Remédios e subindo a Rua Conselheiro Franco, parava na Capela de São Vicente, desaparecida como o prédio da Pensão Universal, com a construção do Mandacaru, recolhendo à Matriz a cuja porta, todos de joelhos, contritos, entoavam  o “Senhor Deus”.

Ninguém jamais conseguiu substituir o Padre Mário na ladainha e no “Senhor Deus” da Procissão de Fogaréus cuja melodia, no decorrer do tempo, foi sendo alterada até se tornar quase irreconhecível.

Naqueles tempos mulheres não entravam na Procissão, que simbolizava a prisão e a condenação de Jesus Cristo ao martírio, fatos de que mulheres não participaram. Ficavam, elas, em grandes grupos, nas esquinas, nos passeios, precipitando-se de uma rua para outra só para ver passar aquela enorme massa de homens contritos a entoar o “ora por nobis” nas pouco iluminadas e quase desertas ruas da nossa cidade, que davam à Procissão, aspecto  fantasmagóricos.

Contava-se, na época, que em tempos anteriores e mais ignários, frades estrangeiros, vermelhões de vinhaça, afastavam as mulheres da Procissão com poderosos e certeiros golpes dos pesados cordões das sotainas. Já naquela época as mulheres queriam se meter em tudo.

A procissão atraia notáveis tipos populares. Para Claudio “Macaca Fêmea”, que tocava a matraca, nas ruas, durante toda a Semana Santa, a grande glória era a de participar, de balandrau roxo, da Procissão de Fogaréus, o que também acontecia com Oscar “Bombardino”, que se preparava durante todo dia, para a Procissão, mandando às goelas boas doses de cana para temperar o sopro, que sempre saia suava e contido, como a ocasião exigia.

No meio da massa humana, que acompanhava a Procissão, entretanto, há que se destacar o grande número de cantores de todas as escalas e de todos os timbres, que ensaiava o “ora pro nobis” nas vendas, nos botecos, nos bares, reforçando as cordas vocais com aguardentes variadas, mas, principalmente com os produtos do alambique da Lapa, aproveitando o meio feriado de quinta-feira de trevas (a tarde não se trabalhava), para expandir a voz na Procissão.

O mais importante deles talvez tenha sido Euclides Alves Mascarenhas, escriturário da Prefeitura, ator do grupo teatral “Taborda”, tenor  dramático e notável intérprete de “O Ébrio” de Vicente Celestino.

As transformações sofridas por Feira de Santana têm sido profundas, radicais. Tudo aqui muda rapidamente. Hábitos, costumes, trajetos, crenças, aspectos e cacoetes. Mas, nem sempre para melhor.